sexta-feira, 30 de maio de 2014

Nó na garganta




Ver-te adormecer hoje, entre a calma induzida pela anestesia e a súbita agitação de te sentires perder o controlo de ti própria (daquela forma, pela primeira vez) reavivou-me uma memória que tinha esquecida - e que não queria de volta; a do nó na garganta que é ver-te a chorar ou quando estás rodeada por médicos. Porque isso nunca é bom. Mesmo sabendo dessa pequena grande ironia de ser precisamente por causa do teu "nó na garganta" que estavas a ser adormecida, o meu nó na garganta não foi mais brando. Ele estava lá, eu sentia-o a impedir-me de engolir, mesmo que em seco, e - vá lá... - também a impedir o coração de sair pela boca (e... oh... se ele estava ali tão perto...)

Adormeceste. Lutaste  bocadinho mas adormeceste. Descansaram-me e prometeram chamar-me dali a pouco. Assim foi. Mas, durante a espera, o café - duplo -, bebido naqueles minutos seguintes, soube-me a nada e o nó na garganta quase nem o (pouco) sabor de que tanto gosto deixou passar para o resto corpo.

O telefone tocou. Fui encontrar-te, já acordada no Recobro, chorona como há muito não te via. E... desculpa!... eu sei que não era das dores do corpo que choravas mas sim das dores da alma, de não me veres a mim nem à Mãe, ali a segurar na tua mão. Um dia perceberás que só podemos estar onde e quando podemos estar, e que são os médicos que decidem isso e não nós... mas até lá... desculpa, meu Amor, por não estarmos lá quando acordaste e precisavas das mãos que querias a passar-te suavemente na cara, para acalmar-te!...

Correu tudo bem. Choraste mais durante o dia. Querias voltar para o teu mundo, para o teu conforto. Mas, olha... toda a gente te elogiou a coragem, o espírito, o sentido de responsabilidade e a manutenção de uma calma notável, que nenhum miúdo da tua idade ou mais novo (nem muitos mesmo mais velhos que tu) mantém um dia inteiro no hospital, por motivo semelhante. És uma guerreira! Uma força da natureza! Uma criança admirável! Uma Pessoa (sim, com "P" maiúsculo) única e maravilhosa! Tão única que - porque (estranhamente, ao contrário de quase qualquer outra criança) gostas de médicos, hospitais, cuidados de enfermagem e afins - tanto à ida para lá como à vinda para casa (e até já na cama, agora ao fim da noite) sempre disseste: «Este é o meu melhor dia DE SEMPREEEEE!»

Sim! O dia em que foste operada às amígdalas e aos ouvidos! Sabes quantos miúdos o diriam (quanto mais com a emoção com que o disseste)...?

Espero que o teu "nó na garganta" tenha desaparecido para sempre.

O meu... bom... o meu voltará sempre que perceba que choras. Espero estar lá para fazer-te o carinho na cara que sei que esperas que te faça para acalmar-te.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

"Prancês"


Sem ela perceber, mudei-lhe o idioma do episódio dos desenhos animados que ela está a ver na box digital, de Português para Inglês. Ela lá se apercebeu que o idioma mudou mas como as primeiras falas dos bonecos eram complexas não conseguiu entender que idioma estava a ouvir. Eu aproveitei e perguntei:
- Então, que se passa?
- Acho que já sei que é que eles estão a falar!...
- Não é Português, Balu?
- Não!
- Não é Inglês?
- Não!
- Então?
- É "Prancês"!
- "Prancês"?! Então onde é que se fala esse... "Prancês"?
- Ó Pápi! É numa cidade muito fininha!

Baba(lu) de Caracol


O orgulho (e a baba) de um pai também pode residir num momento palerma em que a pirralha divaga sobre dragões falsos com pessoas lá dentro enquanto degusta (satisfeitíssima!) uma data de caracóis  (e muito despachada na técnica própria que o consumo deste petisco envolve - uma bela surpresa!) resultantes da primeira incursão do progenitor na confecção dos ditos.




PS: Não gosta de quase carne nenhuma, detesta legumes, abomina ervilhas!!! É esquisita com uma porrada de comidas (fruta... nem vê-la, quase). Adora caracóis.

PS 2: Ah... e amêijoas (que o pai também se ajeita a cozinhar). Também lhes dá um bom avio.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Problemas nasais

- Não acho de jeito nada neste nariz!
- Não achas nada de jeito a quê?
- Não acho de jeito nada neste meu nariz!!!
- Balu, a expressão certa é "Não acho nada de jeito a..." qualquer coisa.
- Não é qualquer coisa! É o meu nariz! Não acho de jeito nada neste nariz!
- Ok... Mas por que é que não achas nada de jeito ao teu nariz?
- Porque não pára quieto!
- ?...
- Sim! Não pára quieto! Ora vê! Se eu olho para cima ele vai para cima. Se eu olho para baixo, ele vai para baixo. Se eu olho para os lados...
- Sim, já percebi. Mas é suposto ser assim.
- Mas não é só isso, Pápi! Olha! Se eu apontar para ele e depois mexer nele com o dedo ele também não pára quieto! Olha!!!!


domingo, 4 de maio de 2014

Campeão da pobreza de espírito

O cenário é este:

Homem, mulher e filho entram num restaurante. Ao entrar, a mulher pergunta algo ao homem, que não responde e logo de seguida tira dos ouvidos os auriculares ligados ao smartphone. A mulher, que se encaminha para a fila do pré-pagamento, pergunta-lhe o que ele quer comer e ele volta a não responder porque está a ligar o wifi e o ecrã do smartphone, passando a ver um canal de tv em directo. Ela traz dois tabuleiros muito cheios com comida para os três e ele começa a comer, sempre com os olhos pregados no ecrã do smartphone. Durante a refeição, ele nunca olha para a mulher ou para o filho e quando fala limita-se a dizer "a-hã" (como que anuindo ao que quer que seja que lhe estão a dizer; imagino que, se for uma notícia extraordinariamente boa ou o anúncio feito pela mulher do desejo de separação imediata do casal, por ele está tudo ok, ou melhor, estará tudo "a-hã"). O filho não fala; de vez em quando olha para o pai mas percebe nem lhe mostrando o boneco oferecido com a refeição lhe arrancará mais do que um "a-hã" - e, por isso, nem tenta. O que prende toda atenção deste homem é um jogo de futebol, de um clube que já é campeão e que por isso mesmo está a jogar só para cumprir calendário. Jogo que ele está a ver em directo no smartphone, de onde não tira os olhos, por nada. Nada mais lhe interessa, mesmo que aquele jogo nada interesse.

Ponto 1. Se alguma vez eu fizer algo remotamente semelhante, agridam-me.

Ponto 2. Espero que alguma das coisas que aquela mulher lhe disse enquanto estiveram no restaurante tenha sido mesmo o anúncio de separação. Aquela mulher não merece aquilo. Aquele filho não merece aquele exemplo. Aquele homem não merece ter uma família.

Ponto 3. Seja de que clube for, alguém assim mercerá sempre o meu mais profundo desprezo.